Há quem diga que a Igreja não deve se meter em política. E não deve mesmo, se meter na política partidária. A Igreja não tem Partido. Sua tarefa é evangelizar, transmitir a mensagem de Jesus. É uma tarefa espiritual (cf. GS 42). Mas como a alma não está separada do corpo, assim como Jesus não desconheceu as necessidades materiais das pessoas, a Igreja também não pode evangelizar sem se preocupar com o bem estar das pessoas.
Jesus disse, “eu vim para que todos tenham vida e vida plenamente” (Jo 10,10). Ele multiplicou os pães para ensinar a partilha. Esta é a maneira de se combater a fome: partilhar. Ele curou doentes para ensinar que a saúde é dom de Deus e deve ser preservada, cuidando dos doentes. A Igreja seguidora de Jesus veio para anunciar a salvação e a salvação é integral: a salvação da alma é sinalizada na prática, pela salvação do corpo. “Mens sana in corpore sano”, diziam já os latinos da sabedoria pagã: “mente sadia num corpo sadio”.
Por muito tempo a filosofia platônica influenciou o cristianismo. Pregava-se que o corpo é a prisão do espírito. Assim, quanto mais o corpo sofria, mais fácil seria libertar a alma! Desta forma criou-se um conformismo com a dor, o sofrimento e a miséria. Daí passou-se á crença de que Deus deseja o sofrimento e a miséria como condição para a salvação. Nada mais falso!
Somente lendo o Evangelho é que podemos constatar que a pregação do Reino de Deus, levada avante por Jesus e hoje por sua Igreja, anuncia o Evangelho junto com a promoção humana. Jesus nos prova que Deus nos criou para a felicidade, não somente após a morte, no céu, mas aqui na terra também, no aqui e agora do dia a dia da história.
Por isso, ao evangelizar a Igreja se preocupa com o bem estar das pessoas: quem vê seu irmão que sofre e não se sensibiliza e nada faz, não tem fé verdadeira (cf. Tg 2,14-17). Isto não é “fazer política partidária” e nem “comunismo”. É praticar as obras de misericórdia ensinadas por Jesus (cf. Mt 25).
Se eu tenho fome, é um problema pessoal meu, se meu irmão tem fome, é um problema “espiritual” meu. Com razão, porque se não der pão a quem tem fome, não se leva Cristo no coração e não pode participar da salvação que Ele dá. São os que dizem Senhor Senhor…(Mt 7, 21), mas não fazem o que Ele ensinou. Por isso se condenam com a Bíblia nas mãos, porque omissão também é pecado. É preciso se empenhar pelo bem comum de todos pois, na ordem do preceito o amor a Deus vem primeiro, mas na ordem prática o amor ao próximo vem primeiro.
No Brasil, hoje, há milhões de famílias sem teto, ou vivem em moradias precárias e milhares não tem rede de esgoto e saneamento básico. As políticas públicas não atingem os pobres e miseráveis, os quais vivem sobre os esgotos a céu aberto. Enfim, as estatísticas mostram que 70 milhões de brasileiros são privados do acesso a um direito humano fundamental: o da moradia digna, isto somente para dar um exemplo.
Como a Igreja poderia ser hipócrita, anunciando a graça de Deus, seu amor pelo ser humano e não dizer nada, e não fazer nada para aliviar esta miséria toda. Miséria fruto do egoísmo e da má distribuição de renda, que compete a nós e não a Deus. Ele deu-nos os bens e a inteligência necessárias para geri-los, mas não pode nos oprimir, impondo-nos sua vontade que é a partilha entre todos. É necessária a conversão!
A Igreja ensina que a verdadeira política não deve se submeter à economia. E a economia deve desenvolver uma política visando o bem comum, reconhecendo o ser humano como irmão e irmã, estabelecendo uma “amizade social” que a todos favoreça e dê dignidade. A caridade social deve ser a alma da política, a qual deve ser um exercício de caridade.
Assim sendo, a Igreja tem dever de pronunciar-se e atuar nas questões sociais, naquilo que lhe compete, sem ceder a nenhuma ideologia, agindo em nome de Jesus Cristo.
Dom Pedro Carlos Cipollini, Bispo de Santo André
Fonte: Diocese de Santo André