Paroquia São José – Rib Pires

Direitos Humanos à luz de Êxodo 3,7-9

Muito se escuta nos dias atuais sobre Direitos Humanos, alguns, talvez, movidos por uma incompreensão profunda da temática, se intitulam contrários, outros, defensores; independentemente da posição em que nos encontremos, é importante observarmos que direitos humanos são aqueles fundamentais para toda a vida humana. Esses, são defendidos muitas vezes na Sagrada Escritura, apresentando-nos, um importante meio de reflexão a partir da fé judaico-cristã. Tendo em vista que, vivemos numa sociedade majoritariamente cristã, parece oportuno olharmos para o tema a partir desta ótica. Nesse artigo, apresento de uma forma simples alguns momentos, no qual a Bíblia nos mostra a ação de Deus tomando o partido daqueles que tem seus direitos violados e clamam por justiça. A busca da justiça, é um tema sempre presente nas Sagradas Escrituras, assim como na vida de todos aqueles que se encontram injustiçados em qualquer que seja sua cultura. A conquista que foi a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, leva-nos a olhar o passado percebendo como é possível mudar o futuro, através de práticas de solidariedade e justiça realizadas em nosso presente.
De longa data, os Direitos Humanos têm destaque nos desdobramentos da História. Mas eles alcançaram um papel de grandeza ainda maior, nos dias de hoje. Um dos fatores da primazia dos Direitos Humanos resultou da apropriação dessa bandeira por todos os oprimidos da Terra. Basta ler os jornais ou acompanhar as lutas populares para constatar isto. Pessoas, grupos, classes, nações, minorias de toda ordem, espalhados pelos mais diversos rincões da Terra, invocam os “Direitos Humanos” na sua luta cotidiana (HERKENHOFF, J.B. 2002, p.10).
Os Direitos Humanos tornam-se mais respeitáveis na medida em que não resultam do capricho ou diletantismo de alguns militantes. A ideia de Direitos Humanos também ganha maior força quando concluímos que eles não resultam de uma imposição imperialista. Muito pelo contrário, os Direitos Humanos constituem traço cultural amplo dentro da Civilização Universal.
Mas o que são direitos humanos? Por direitos humanos ou direito do homem, são modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concepção da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir. O conceito de direitos humanos não é absolutamente unanime nas diversas culturas. Contudo, no seu núcleo central, a ideia alcança uma real universalidade no mundo contemporâneo (HERKENHOFF, J.B. 2002, p.20).
Gustavo Gutiérrez, teólogo latino-americano, num dos seus livros mais famosos, busca nas fontes mais profundas da ascese cristã as trilhas que podem conduzir à libertação do povo. Argumenta que é no poço da espiritualidade legada pela tradição judaico-cristã que a Teologia da Libertação encontra suas justificações doutrinárias (GUTIÉRREZ, 1985).
Ao falarmos de Direitos Humanos, não poderíamos deixar de citar as Sagradas Escrituras, local no qual, vemos a escolha de Deus, em caminhar com seu povo, libertando-o da escravidão. O judaísmo funda-se na Bíblia Hebraica que é dividida em três partes: Torá, que é integrada pelos cinco primeiros livros (o Pentateuco); Profetas e Escritos.
Os grandes valores que inspiram os “Direitos Humanos” têm explicito acolhimento na Bíblia: o grito de Justiça, principalmente dos fracos (Amós, Miquéias); a igualdade entre as pessoas, o acolhimento ao estrangeiro, o direito de asilo, o repouso semanal, o direito de todo homem ao alimento superpondo-se ao direito de propriedade privada, a proteção dos instrumentos de trabalho em face do penhor, a sacralidade do salário, a volta da propriedade ao antigo dono (Deuteronômio); a solidariedade para com o órfão e a viúva (Deuteronômio, Provérbios); a proibição da cobrança de juros, a condenação da usura (Êxodo, Neemias); a identidade de origem de todos os homens, o homem como imagem de Deus (Genesis, Salmos); a maldição contra os que açambarcam bens e se tornam sozinhos proprietários de uma região inteira, o anúncio da libertação para os prisioneiros (Isaías); a fraternidade (Levíticos, Provérbios); a paz (Miquéias); a solidariedade universal (Salmos) (HIRSCH. 1984).
No texto do Livro do Êxodo (Ex 3,7-9), que segue abaixo, vemos como a história bíblica tem sido frequentemente descrita como uma história de salvação.
7 O Senhor lhe disse: “Eu vi a opressão de meu povo no Egito, ouvi o grito de aflição diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos. 8 Desci para libertá-los das mãos dos egípcios e fazê-los sair desse país para uma terra boa e espaçosa, terra onde corre leite e mel: para a região dos cananeus e dos heteus, dos amorreus e dos fereseus, dos heveus e dos jebuseus. 9 O grito de aflição dos israelitas chegou até mim. Eu vi a opressão que os egípcios fazem pesar sobre eles. (Bíblia CNBB).
O Valor “Liberdade” está bastante presente na tradição das Escrituras Sagradas – quer no Antigo Testamento, reconhecido como Palavra revelada de Deus pelo Judaísmo e pelo Cristianismo – quer no Novo Testamento, livro sagrado para os cristãos. O Valor “Liberdade” tem um longo e profundo enraizamento na cultura humana, falar de libertação não é falar simplesmente de independência. A Libertação de Israel reside na mudança do amo e da forma de servir (LÓPEZ, F.G. 2009, p. 45).

Êxodo nos relata um forte anseio de toda sociedade humana: a conquista da liberdade e de sua identidade sociopolítica (Ex 2,23). Israel não é o primeiro nem o último povo que vivenciou este esforço ou realizou este caminho (LÓPEZ, F.G. 2009, p. 44). Êxodo não conta a história de um grupo de elite, nem de um super-homem. O que torna mais simples a identificação dos mais diversos grupos com a história deste povo é sua condição humilde, a profunda humanidade de seus líderes, a vulnerabilidade de Moisés (Ex 3,1;4,10). Ver o povo no deserto, tão rapidamente entusiasmado com o ideal de liberdade quanto desanimado ou nostálgico, rebelde ou hostil à própria liberdade, é o que faz com que, de algum modo, todo grupo ou povo que venha a ler suas páginas encontre a si mesmo refletido nelas (Ex 15,1-27;17,1-13).

O que aconteceu aos agrupados em torno de Moisés durante o êxodo histórico, não só os modificou, como também foi transmitido por eles como um tipo de fermento que penetrou e formou mais tarde outras pessoas e grupos em Israel e até hoje. Esta experiência, de que aqui existe Deus, de que está ao lado dos oprimidos e sofredores, tornou-se para Israel do Antigo Testamento uma memória que tinha o poder de suscitar nos miseráveis e desesperados sempre nova coragem e esperança. Em muitas narrativas e reflexões teológicas os devotos do Antigo Testamento tentaram manter viva esta experiência inicial, fundamento de esperança, do “Deus da Liberdade” (ZENGER. 1989, p. 98).

O Valor “JUSTIÇA”, que alimentam a Declaração Universal dos Direitos Humanos interpenetram-se através dos artigos desse importante documento. O valor ético-jurídico que se chama Justiça está presente em todos os artigos da Declaração e também na Sagrada Escritura.
No Antigo Testamento, disseram os Profetas: “Não oprimas teu irmão” (Lv 25,14). “A justiça seguirás, somente a Justiça, para que vivas” (Dt 16,20). “Não desloque a divisa da terra, nem invada o campo dos órfãos” (Pr 23,10). “Todos os que tramam o mal serão eliminados: os que no tribunal fazem armadilha para o juiz e, por um nada, arruínam o justo” (Is 29,20-21). “Com gestos e palavras, os injustos invocam a morte para si mesmos. Os justos, porém, vivem para sempre, recebem do Senhor a recompensa, e o Altíssimo cuida deles” (Sb 1,16 e 5,15). “Quando se multiplicam as autoridades justas o povo se alegra” (Pr 29,2).

Considerações finais
Ao chegarmos ao final desta reflexão guiada pela Sagrada Escritura, parece-nos evidente que, Direitos Humanos não é uma problemática exclusiva nossa, ou mesmo, somente pertencente a um grupo restrito de povos e culturas ligados aos dias atuais. Trata-se de uma aspiração tão antiga e atual, quanto é a própria discussão em torno da origem da existência humana. Olhando com afinco para a Declaração Universal dos Direitos Humanos, percebemos que a maioria dos artigos nela contidos, são uma verdadeira construção da humanidade, agregando em um único documento, uma imensa multiplicidade de culturas.
Observando a Sagrada Escritura, com um foco voltado a prática da justiça, encontramos nela, os sinais das gênesis dos Direitos Humanos tão almejado por uns e, até mesmo combatido por outros nas sociedades atuais. Na Sagrada Escritura, encontramos Deus “YHWH”, que por muitas vezes, aparece despertando nos corações da humanidade, os valores universais de tais Direitos. A constatação desta gênesis universal dos Direitos Humanos presente mesmo em tempos remotos, na Sagrada Escritura, aponta para o desejo de Deus, de num futuro humano, termos a possibilidade do mútuo respeito entre todos os seres humanos, entre todos os povos e nações.
As conquistas, avanços e retrocessos presentes na sociedade atual, demonstra-nos que ainda há muito a percorrermos nessa luta pelos direitos de todos. Ainda assim, o conhecimento e aprofundamento numa leitura da Sagrada Escritura, a partir do pobre, injustiçado e perseguido, pode ser um dos meios de incutir na consciência coletiva cristã, que Deus sempre tomará partido do que sofre e é injustiçado, daquele que não tem o direito de Ser, Ter ou Poder.

Texto: Diácono Luciano José Dias

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